A voz de Benjamim de Oliveira

Benjamim de Oliveira

 

Disco Brazileiro (Columbia Phonograph) – 11599 (1910) / ≅78 rpm.

“O Automóvel”, cançoneta de Benjamim de Oliveira.

Interpretada pelo autor ao lado de Mário Pinheiro (não creditado) e com acompanhamento de orquestra.

Benjamim de Oliveira é reconhecido principalmente como sendo um dos primeiros palhaços negros da história do Brasil, quiçá do mundo segundo fontes.

Mas veremos que há muito mais a ser contado sobre.

Vanguardista e revolucionário, alterou os rumos e a história do circo brasileiro sendo também fator transformador na cultura do Rio de Janeiro durante as primeiras décadas do século passado.


Trajetória:

Benjamim de Oliveira

Benjamim e sua mãe

Benjamim de Oliveira nasceu como Benjamim Chaves na cidade de Pará de Minas – Minas Gerais em 11 de junho de 1870.

Filho de Malaquias Chaves e Leandra de Jesus, nasceu ainda sob o regime de escravidão, sendo alforriado logo após o seu nascimento – assim como seus irmãos – graças ao bom relacionamento e consideração que seu senhor tinha por seus pais.

Sua mãe era escrava considerada de estimação e seu pai foi caçador de escravos fugidos.

Aos doze anos de idade se encantou com o Circo Sotero, o qual passava por sua cidade, e tomou a decisão de fugir com a trupe do mesmo.

Começando como trapezista e acrobata acabou passando por inúmeras dificuldades, sendo constantemente açoitado pelo dono do circo.

Ali criou seu conhecido nome artístico, adotado do artista Severino de Oliveira, seu orientador.

Abandonou o circo e nesta nova jornada acabou sendo capturado por um grupo de ciganos que queriam lhe vender como um escravo.

Fugiu novamente para depois ser capturado mais uma vez por um fazendeiro que deduziu que Benjamim era um escravo em fuga.

Ganhou liberdade não precisando fugir, pois provou ao fazendeiro que era um artista circense após demonstrar acrobacias.

Benjamim caracterizado

Benjamim passou por diversos circos e cidades antes de se tornar palhaço, vindo isto a acontecer por total acaso em uma passagem pelo interior de São Paulo, quando assumiu a vaga do palhaço Freitinhas, titular de um desses circos, após o mesmo ter adoecido sem haver um substituto.

Sem sucesso e reconhecimento no início de sua carreira como palhaço, sua sorte iria mudar no Rio de Janeiro a partir de 1892 durante sua passagem pelo Circo Caçamba do português Manoel Gomes – conhecido como Comendador Caçamba – do qual o então presidente da república Floriano Peixoto era frequentador.

Acabou conquistando um laço de amizade com Floriano Peixoto, o qual encarou a novidade de se ter um palhaço negro em um circo como algo vanguardista e positivo.

Floriano Peixoto ordenou que o circo fosse transferido do bairro de Cascadura, onde estava armado, para a frente do Palácio do Itamaraty na Praça da República e com o transporte realizado por soldados do exército.

A partir desta época Benjamim alcançou o merecido reconhecimento e admiração pública.

Versátil, ainda desenvolveu outras atividades artísticas, dentre as quais a criação de inúmeras peças, algumas de sucesso.

Nos idos de 1896 se aproximou de Affonso Spinelli, proprietário do Circo Spinelli.

Ali trabalhou durante o seu período de maior glória e por mais tempo – até 1938 – onde também atuava em peças teatrais circenses.

Este mesmo circo-teatro foi introduzido por Benjamim em 1918 no Rio de Janeiro com paródias de operetas e de contos de fadas teatralizados para mais tarde evoluir aos espetáculos de rebuscadas peças de Shakespeare.

Também no Circo Spinelli foi o protagonista sendo o índio “Peri” na peça “O Guarani” tendo sido registrada em película sob o título de “Os Guaranis”, inspirada na obra de José de Alencar, sendo o primeiro filme de romance brasileiro, lançado pela “Photo-Cinematographica Brasileira” e considerado perdido pelo tempo.

Benjamim durante a gravação de “Os Guaranis”

Um fato curioso: Nesta peça houve a estréia de Oscarito com apenas cinco anos de idade.

Passou ainda pelos circos Democrata e Dorby antes de fundar o seu próprio picadeiro após sua saída do Spinelli.

Apesar do reconhecimento que levou até o fim de sua vida, passou por dificuldades financeiras tendo que receber pensão do governo após clemência feita por jornalistas à Câmara dos Deputados.

Se aposentou definitivamente em 1940 e faleceu já idoso em 1954 na mesma cidade que o abraçou – o Rio de Janeiro – no dia 3 de maio de 1954.


O palhaço cantor:

Benjamim de Oliveira

Benjamim compôs e interpretou diversas peças sonoras, muitas delas cantadas e acompanhadas ao violão nos entreatos de circo, entre os anos de 1907 e 1912.

Supostamente apenas seis delas foram registradas em disco, das quais se sabia até então o título de apenas quatro.

As escassas gravações foram realizadas no ano de 1910 e em discos de apenas uma face do selo de vida efêmera “Disco Brazileiro” da “Columbia Phonograph Co.”.

Trago aqui a descoberta do título e do conteúdo gravado da quinta peça musical, até então inédita e desconhecida.

Não se sabe se algum outro exemplar desta gravação de Benjamim tenha sobrevivido até os dias atuais, logo, este talvez seja único.


A descoberta:

Esta chapa – assim também são chamados os discos de cera pioneiros da indústria fonográfica nacional – foi descoberta no acervo de Hélio Mário Alves, em Araruama, município do estado do Rio de Janeiro na tarde do dia 11/05/2019.

Além de ser eternamente grato, devo esta descoberta ao Hélio que gentilmente a doou para o meu acervo.


A preservação:

Documento de Benjamim

Em péssimo estado de conservação, além de muito deteriorada e arranhada, a chapa possui um trinco quase de ponta a ponta.

Horas de trabalho para estabilização do trinco foram consumidas, até a nivelação quase que completa.

Após o processo de reprodução e digitalização em um Thorens TD124 MKII equipado com um braço SME 3009 Series III, o melhor resultado acabou sendo obtido com uma cápsula e agulha próprias para discos de cera.

Mais horas foram consumidas no processamento digital do conteúdo para o melhor resultado possível.


Uma breve reflexão:

Homenagem da revista A Noite Ilustrada

Esta é uma gravação centenária, de figuras históricas que já não estão entre nós faz muitas décadas.

Ecos de um passado e que por pouco foram perdidos.

A fala de um ser humano que – apesar de ter vivido além dos seus 80 anos – nos deixou apenas pouco mais de alguns minutos para nos dizer algo.

Possivelmente uma das únicas gravações conhecidas da voz de um escravo brasileiro e também uma das poucas gravações que restaram de um dos primeiros palhaços negros de nossa história.

Ouçam com respeito pois devemos muita gratidão ao Rei dos Palhaços.

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